Thursday, September 16, 2010

Dois pés atados

"A mulher perdigueira sofre um terrível preconceito no amor. Como se fosse um crime desejar alguém com toda intensidade. Ela não deveria confessar o que pensa ou exigir mais romance. Tem que se controlar, fingir que não está incomodada, mentir que não ficou machucada por alguma grosseria, omitir que não viu a cantada do seu parceiro para outra. Ela é vista como uma figura perigosa. Não pode criar saudade das banalidades, extrapolar a cota de telefonemas e perguntas. É condenada a se desculpar pelo excesso de cuidado. Pedir perdão pelo ciúme, pelo descontrole, pela insistência de sua boca. Exige-se que seja educada. Ora, só o morto é educado. O homem inventou de discriminá-la. Em nome do futebol. Para honrar a saída com os amigos. Para proteger suas manias. Diz que não quer uma mulher o perseguindo. Que procura uma figura submissa e controlada que não pegue no seu pé. Eu quero. Quero uma mulher segurando meus dois pés. Segurar os dois pés é carregar no colo. Porque amar não é um vexame. Escândalo mesmo é a indiferença."
[A sensibilidade incendiária de Fabrício Carpinejar,
em Mulher Perdigueira.]

Na voz de Antônio Abujamra, então, é golpe baixo... nada mais provocador.

Wednesday, September 08, 2010

Empty-hearted?

"Pergunto-te onde se acha a minha vida.
Em que dia fui eu. Que hora existiu formada
de uma verdade minha bem possuída.

Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada.

E a quem é que pergunto? Em quem penso, iludida
por esperanças hereditárias? E de cada
pergunta minha vai nascendo a sombra imensa
que envolve a posição dos olhos de quem pensa.

Já não sei mais a diferença
de ti, de mim, da coisa perguntada,
do silêncio da coisa irrespondida."
[Cecília Meirelles, arrebatadora.]

[...]

E cá me pergunto eu onde é que raios foi parar o meu coração. Sequer anotei a placa do anestesista! Devo ter encaixotado com o resto das tralhas velhas e esquecido no fundo do armário. Como impagavelmente diria Sílvio Santos, "não sei se vou ou se fico, não sei se fico ou se vou...".

Thursday, September 02, 2010

Magic carpet ride

Viagem, você me convidou para uma viagem. Uma viagem mágica. Num balão mágico, num tapete voador, numa máquina do tempo. Por céus azuis pintados com giz de cera. Por sonhos coloridos de serpentina e lembranças aquareladas em tela. O que pincéis e um papel não fazem? Transformam sensações em realidade. Aproximam almas. Reúnem passado e presente. Conspiram por um mundo mais colorido. Mundo colorido por fantasias, por carnavais, por pierrôs e colombinas. Tantas memórias, tantos reencontros, tantos recomeços, toda uma história escrita. De algum lugar do passado e de hoje ainda pulsante. Tão bom lembrar de lugares, escritos, coisas, pessoas... especiais.

Por um momento, ainda que por apenas um momento, a gente viajou para o mesmo lugar ao mesmo tempo.

Uma caixa inteira de lápis de colorir pra você.

"Quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo."
[João Guimarães Rosa, eterno.]

Thursday, July 15, 2010

Verde sentimento

Árvores cortadas. Galhos e folhagens tristes, tocos fincados no chão. Sacolas de plástico me incomodam. Cavalos me alegram, põem um sorriso no meu rosto. O verde enche meus olhos. Rosas que não falam. Moram no meu peito. Preciso gastar menos água, preciso. E cultivar mais plantas. Tenho que dormir menos, correr mais. Minhas costas dóem, mas não me canso. Quero coluna e pernas fortes e um coração sempre aberto. Quero equilíbrio. Quero fazer algo de bom. Ainda tenho duas promessas pra cumprir. Saúde: quem tem deve dar um pouco aos outros. Pra receber. Pra ser feliz.

Eu quero merecer, só quero merecer.

"Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar...
Quero assistir ao sol nascer, v
er as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver...
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar...
Se alguém por mim perguntar
Diga que eu só vou voltar
Depois que me encontrar...
Quero assistir ao sol nascer, v
er as águas dos rios correr
Ouvir os pássaros cantar
Eu quero nascer, quero viver...
Deixe-me ir, preciso andar
Vou por aí a procurar
Rir prá não chorar."
[Do mestre Cartola.]

Wednesday, June 30, 2010

Camiseta do Batman

Ah, uma camiseta do Batman! Uma camiseta velha, desbotada e surrada dos anos 80, que antes foi do meu primo, quando criança. Passou para o meu irmão. Agora é minha. Devidamente surrupiada às escondidas. Vintage? Não sei. Gosto de pensar que é relíquia de família. Tipo "As Jóias da Coroa", só que bem [beeeeeem] mais humilde e singela.

Usei hoje. Com botas de cowboy, a despeito dos olhares de reprovação do meu irmão [rs]. Ok, é que eu ando num cowboy-mood ultimamente... não sei, botas de cowboy e camisas xadrez têm me seduzido muito, sem qualquer explicação plausível. Mas, mais do que moda, acho que é o jeito country de ser mesmo. Tudo bem, eu sei que é cômico, pode rir! Mas tem um algo de familiar, um quê de cidade pequena, de memórias mesmo.

E me peguei lembrando dos meus tempos de criança, das brincadeiras, dos desenhos que eu assistia, dos aniversários na casa da minha avó, das tardes com os meus primos, dos amigos, dos inimigos, dos bolos e brigadeiros, dos dentes-de-leite, das birras, dos tombos de bicicleta, das fotos clássicas comendo melancia, das quadrilhas em festa junina na escola, de tudo...

A poesia singela do dia-a-dia me encantando, como sempre.

Friday, June 18, 2010

Movimento Circular Uniforme

Dois trens partem em trajetória circular uniforme, cada um em seu próprio ritmo. Como os ponteiros de um relógio, um levando as horas, outro levando os minutos. Cada trem carregando seu passageiro. Cada passageiro carregando seu coração. Como os planetas, ao mesmo tempo em rotação e em translação, cada um com seus satélites e luas próprios. É a trajetória da vida, das estações, das paradas inesperadas, dos desvios pelo caminho, dos acidentes na estrada, do tempo e do espaço. Por mais que se queira negar, é um ciclo vicioso. Às vezes, passam pelos mesmos locais, pelas mesmas placas, pelos mesmos sinais. Só que os vêem diferentes. Fazem o mesmo trajeto, o mesmo circuito, o mesmo itinerário. Trilham o mesmo caminho. Porém em momentos diferentes, com olhos diferentes. Seus faróis iluminam o percurso cada um à sua maneira. São chegadas e partidas, encontros e despedidas. Mas o destino, quando acha que deve, reserva conexões, baldeações, interligações. São momentos mágicos em que a vida caprichosamente permite que os ponteiros se encontrem, se acertem, se sobreponham como se fossem um só. Que os trens se deixem desembalar e se reúnam na estação. Que os planetas compartilhem seus ciclos viciosos e coincidam num mesmo ponto. Tudo no universo parece conspirar para que eles se ajustem perfeitamente. Esses momentos podem ocorrer de tempos em tempos, ciclicamente, como o nascer do sol, ou apenas uma única e especial vez, como um eclipse. E ali, por apenas aquele único segundo, um singelo momento, o encontro é perfeito. A sintonia é completa. E a plataforma da estação parece se esvaziar só para presenciar aquela conjunção de fatores sublimes. Para depois se encher de novo de pessoas, de pressa, de correria, de vida... e recomeçar a viagem.

E fica a mágica no ar das engrenagens dos relógios nos pulsos pelas estações do mundo afora.

Monday, June 14, 2010

Um adorável ladrão

Você disse que me ler te faz escrever. Te ler me faz ficar sem palavras! É como se você delicadamente as roubasse de mim, sabe? Escrever, eu escrevo... escrevo, escrevo e escrevo. Mas não sai nada, entende? Não consigo colocar no papel nem um centésimo do que sinto ou do que gostaria de dizer [...]. E eu tento, ah, como tento! E não consigo fazer poesia como você, já me conformei. Acho que a minha poesia é em prosa mesmo.

Tô aqui, com zilhões de coisas na cabeça, notas musicais ecoando nos ouvidos, um monte de textos pra estudar, alguns cabelos brancos por nascer, tantas preocupações encobrindo meu sorriso... mas tenho pensado bastante em você.

E em LEGO também, é bom que se diga! Rs...

ps: Quando tiver chance, ouça "Minha Casa", de Zeca Baleiro.

Wednesday, May 12, 2010

Passageiro-viajante

Estou presa. Presa à minha pele, presa ao meu corpo. Aqui dentro. Dentro de mim existe um ser que tenta desesperadamente e a todo tempo sair. Mesmo que eu feche os olhos. Mesmo que tudo e todos à minha volta façam de tudo pra me manter aqui, dentro de mim, quieta. Esse ser é mais forte. Esse viajante, esse passageiro. Passageiro desse trem que é o meu corpo. Que viaja, que passeia, que segue, que vai. Vai pra longe e não volta. Ou volta, diferente. Um passageiro que ousa ir para os lugares mais distantes e impensáveis. Que quer sempre transcender, transpassar, transgredir. Eu sou, antes de tudo, teimosa. Não aceito, não me conformo, não me acomodo. Mesmo quando me acomodo, entende? Dentro de mim, já estou longe. Em outro lugar. Em tantos lugares. Em tantos momentos. Em tantos sonhos.

Vivo me perdendo por aí. E me encontrando de novo. Me perdendo de vista na multidão. Esbarrando comigo mesma em alguma esquina da vida. Perdendo-me de vez. Achando-me sem engano novamente...

Eu não pertenço mais a mim. O mundo bateu à minha porta e me tomou como sua. E eu decidi me entregar.

Tuesday, April 27, 2010

Querido inquilino:

Labirintos. Chaves. Prisões, doces prisões. Corações iluminados. Pronomes possessivos. Quatro cantos, dois braços abertos, um par de olhos esperançosos, uma boca em silêncio e sede, muita sede. Ou seriam quatro braços? Entrelaçados. Trancafiados, juntos. Caminhando uns de encontro aos outros. Peles se tocando. Pessoas vivendo. Lugares existindo. Sons ecoando, palavras sussurrando e sonhos florescendo...

E nunca vou me esquecer de como eu me senti quando ouvi jazz pela primeira vez.

I'm madly in love with everything that makes me feel my life will never be the same again. And that goes to movies, music, books, food, places, moments and people.

[Em homenagem ao seu "lá" e ao meu "aqui".]

Sunday, April 04, 2010

Saudade verborrágica

Desculpe se isso soa meio repetitivo, mas aqui estou eu, de novo, à sua porta. Paciente se apresentando, novamente, no divã. Desarmada, aberta, nova. Como uma criança que aprendeu a lição. E está pronta para outra "arte". Sabe como é? Página em branco. Não apagada, apenas começando um novo capítulo.

Tô daquele jeito, assim: nadando contra a corrente, lutando contra o tempo, a ansiedade no último, a cabeça a mil, as pernas correndo, os sonhos mais vivos do que nunca, os pensamentos brotando no escuro, as palavras verborragicamente saltando pela boca, o coração apertado, a paciência meio curta, as emoções à flor da pele...

Estou... viva.

"Ando tão à flor da pele
Que qualquer beijo de novela me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar 'flor na janela' me faz morrer
Ando tão à flor da pele
Que meu desejo se confunde com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele
Que a minha pele tem o fogo do juízo final."
[Zeca, sempre Zeca.]